3.1.09

O Tiago Moreira Ramalho do Corta-Fitas decidiu, ainda ninguém percebeu muito bem porquê, lançar o debate em torno da monarquia. O meu amigo e companheiro de causa João Távora, citou um texto meu publicado neste blog e no Centenário da República, espaço em que também colaboro devido ao seu simpático convite. Neste cenário, e após a resposta do João Távora, o Tiago Moreira Ramalho apressou-se a fazer uma análise do referido texto, em que eu, em três pontos, tentei resumir o porquê de ser monárquico. Cabe-me então fazer algumas considerações.

 

Em primeiro lugar, o que deveria ser discutido pela blogosfera não é o porquê de existirem monárquicos e republicanos, mas sim o porquê de existir uma crise de regime - o que na opinião de muita gente não significa que o mesmo tenha que ser substituído, o que é legítimo. Quando afirmo que existe uma crise de regime não o faço por ser monárquico, faço-o por constatar que Portugal atravessa um período negro da sua democracia, em que começam a vir ao de cima os primeiros escândalos, sustentados durante dezenas de anos, que envolvem a promiscuidade entre o poder político e o poder económico. Paralelamente, vivemos tempos em que começamos a descobrir, pouco a pouco é certo, que o maior cancro do nosso país está nos aparelhos partidários do regime, que se encontram a mando de vários políticos profissionais e gestores de empresas públicas de carreira. A nossa pobreza é fruto da má gestão pública que temos tido.

 

É certo, nisso o Tiago Moreira Ramalho não irá certamente discordar de mim, que vivemos numa era de regulação política, onde o Chefe de Estado deve assumir um papel central como árbitro e moderador do sistema, de forma a conseguir combater os seus vícios e pôr cobro a toda esta panóplia de situações e escândalos que têm assolado a nossa democracia, em muitos aspectos ainda muito tenra democracia. Mas acha o Tiago Moreira Ramalho que um árbitro pode sair do próprio sistema?

 

Ser monárquico no século XXI é compreender que a figura do Chefe de Estado não pode ser folclórica e não pode estar comprometida com o sistema político e partidário. Um presidente, para que consiga ser eleito, faz por norma um imenso trajecto político, onde se vai submetendo constantemente a eleições, passando por campanhas eleitorais que são financiadas pelo poder económico e que precisam de apoio institucional e político por parte de outros políticos do seu e de outros aparelhos partidários. Após o Presidente da República ser eleito o que faz quanto a todos estes lobys? Certamente "não vai morder na mão que lhe deu de comer". Por este motivo, o Chefe de Estado da republica não tem a legitimidade, prática e objectiva, que o Chefe de Estado da Monarquia tem para afrontar, quando necessário é óbvio, o poder económico e também político. Em suma, temos um "moderador" a "arbitrar" um jogo viciado à partida. Será isto saudável para a democracia que os republicanos apregoam?

 

Mas já que falamos de democracia, vamos um pouco mais longe. É recorrente o argumento republicano de que a republica é mais democrática do que a monarquia, porque o facto do chefe de estado ser submetido a eleições lhe confere uma maior legitimidade democrática. No entanto, não é bem assim.

 

Ora vejamos, um monarca de tradição europeia ocidental no século XXI, tem por obrigação primeira a defesa do sistema democrático e a fiscalização do poder legislativo, esse sim eleito pelo povo. O rei não é mais do que qualquer português, é apenas o primeiro entre dez milhões, com deveres e responsabilidades redobradas. Quer-me pois parecer que num regime monárquico, o facto do rei ser isento em relação aos lobys vai-lhe conferir uma maior legitimidade democrática do que a republica. Paralelamente, nos sistemas constitucionais monárquicos modernos, existe liberdade de opinião e isso os republicanos não o negam, dessa forma o rei é fiscalizado pela sociedade, em suma, pelo povo. O facto de ser isento e de exercer um "mandato" para a vida, por responsabilidade histórica e cultural, fá-lo democraticamente mais fiscalizado e responsabilizado do que o presidente da republica - um Presidente é fiscalizado pelo voto no final do seu mandato e depois vai fazer outra coisa, o rei é fiscalizado pelo povo, pela democracia e pela constituição, no seu dia a dia, até ao final da sua vida. Existe algo mais democrático?

 

O que me parece pouco democrático é a constiuição vedar a possiblidade do povo, por sua livre vontade e iniciativa, referendar o regime político português. A questão do regime está acima do sistema partidário, dessa forma não devem ser os partidos políticos a proporem referendos sobre o assunto - mas sim o povo, os eleitores, os portugueses. A nossa geração, a nossa vivência enquanto pátria, o nosso povo enquanto elemento político e cultural, é bastante diferente agora do que era no início do século. Perante esta simples constatação é me dificil compreender como podemos ser obrigados a acatar um regime que não foi por nós escolhido. Aos que se dizem democratas, aprendam que a democracia não se apregoa, aplica-se. Não há nada mais democrático do que dar a palavra aos portugueses - fiscalizem a republica pela força do voto, tal como a monarquia também deveria ser fiscalizada se estivesse instituida. Pelo menos de tempos a tempos.

link do postPor João Gomes de Almeida, às 21:23  comentar

De Modernista a 15 de Janeiro de 2009 às 23:24
Muito bem. Chama-se a isto: ignorancia. A nao ser que seja desonestidade intelectual.

Eu tentei ler o que escreveram o Tiago e o Samuel. Mas fiquei-me pela invocacao equivoca da nocao Weberiana de legitimidade. A palavra legitimidade, adjectivada de "politica", denota dois conceitos completamente distintos: um conceito sociologico e um conceito normativo. (Sem a predicacao "politica" a polissemia e muito mais ampla).

Legitimidade Politica pode, em primeiro lugar, denotar o conjunto de condicoes necessarias e suficientes para que uma autoridade deva ser obedecida pelos seus subditos. E uma questao de "dever-ser", normativa. O problema da legitimidade, neste sentido, e o problema da fundamentacao da obrigacao politica, do dever de obediencia a um poder instituido. E este o conceito de legitimidade que interessa ao debate sobre a legitimidade da monarquia.

Legitimidade Politica denota, por outro lado, um conceito sociologico. Designa entao a aceitacao generalizada de uma autoridade como fonte legitima (no primeiro sentido) de obrigacoes. Mas o facto da aceitacao de uma autoridade como legitima nao a torna legitima no sentido normativo. E apenas um facto. E neste sentido que o termo e usado pelo Weber, cuja sociologia rejeita, por um lado, o positivismo Durkheimiano, onde a nocao interpretativa (ou atitudinal) de "legitimidade" nao tem lugar, mas por outro lado rejeita ainda com mais vigor a cotaminacao normativa das ciencias sociais e portanto quaisquer consideracoes sobre legitmidade no sentido normativo.

Resultado: o Weber e completamente irrelevante para a discussao. Pode quanto muito ser importante no estudo, alis de muito interesse, da evolucao das atitudes relativamente ao poder. Mas nada diz sobre os fundamentos da obrigacao de obediencia ao poder -- nem tao pouco a que forma de poder se deve obediencia.

No estado de confusao semantica que se instalou, o tal Joao Gomes ainda entornou mais do caldo, e escreveu sobre legitimidade no sentido sociologico, sem perceber que nao era disso que falavam o Samuel e o Tiago. E pior ainda: teceu consideracoes que mostram que a confusao nao e apenas semantica, mas intelectual. O Joao Gomes acha que so se deve disctutir o poder quando ha uma "crise de legitimidade", um facto social. Por outras palavras, vale o que vigora a nao ser que o que vigora esteja em vias de o deixar de estar, caso em que ha que remendar o "problema". Haja paciencia! A comunicacao social lobomotiza muita gente...

Eu pergunto-me como e que as pessoas se propoem discutir temas serios quando nao sabem rigorosamente nada. Tanta pretensao, tanta opiniao -- e tanta confusao! Nao se tratam de erros, mas da mais pura ignorancia do basico.

Modernista.

Ana Anes

Ana Anes nasceu em Lisboa a 2 de Abril de 1973, com o cordão umbilical bem preso no pescoço. Pode-se dizer que é uma sobrevivente (alegre) e, como tal, decidiu festejar a vida com um carácter irreverente, livre de constrangimentos e da opinião alheia, com uma faceta “bombista-literária” em que não se levando a sério - porque a vida já é demasiado pesada por si mesma...
Tem dois livros publicados, e já escreveu em vários órgãos de imprensa, como O Independente, Destak, DNA, Maxmen, Correio da Manhã e Playboy. Os seus blogues já deram muito que falar.
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Primeiro queria ser médica de autópsias, depois teve a mania de ser jornalista e apaixonou-se pela rádio, acabou por dedicar-se ao serviço público e vive uma relação passional com Lisboa, como sede no poder local, onde editou a Agenda Cultural.
Licenciada em Comunicação, resignou-se ao facto de pouco mais saber fazer na vida do que comunicar, de manhã à noite, com toda a gente e, se mais ninguém houver por perto, com ela mesma. Acredita que é com o coração.
Cátia Simão

Foi em véspera de uma Sexta-Feira 13 de Setembro que sua mãe conheceu o rosto enrugado e percebeu que não era o David (sobre o qual) tanto conversara durante 9 meses. Daí para a frente foi muitos nomes a até se assentar como Cátia. Cresceu pensando que iria ser modista, mas não tinha muito jeito para fazer costuras e braguilhas. Virou-se para a arqueologia e seguiu outro caminho, a música, os filmes e a rádio. Seguiu-se dos seus amores de garota. Ainda hoje procura as agulhas do seu giradiscos portátil na bainha de um vestido rosa da moda. É muito feliz e gosta de sorrir.
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Tem os ensinamentos anglo-saxónicos cravados nas sardas e o amor às artes nas pontas dos dedos. O gosto pela manta das Relações Internacionais, adquirido pelos retalhos da herança familiar, consome-se nas almofadas do mestrado. Seguiu um coelho branco e calçou os saltos de jornalista EM que de momento lhe assentam os pés. Deixou pequenas pegadas nas páginas da “Pública”, da revista “Nós” do Jornal i, do Jornal Briefing e da televisão Arte. Incapaz de se manter fiel ao amor por um só par de sapatos, fez cursos em instituições europeias e teve aulas de representação em palco poeirento. Infelizmente, não teve dom para fazer dinheiro como viajante, mas soma este aos restantes vícios: desde a última tarde de 86 que não se inibe de sorrir e sonhar.
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Registada na bela freguesia de Mem Martins, Inês teve uma infância feliz, até ao dia que teve de abandonar o ballet por ter as pernas tortas (erro que nunca foi corrigido pelas botas ortopédicas ora azuis ora castanhas, que usou até tarde). Sempre gostou muito de desenhar, tendo como maiores influências os filmes clássicos da Disney, a Barbie e o seu pai. Quando teve de escolher a sua área optou por artes, por não ter matemática, não fazendo ideia que teria de gramar com geometria descritiva. É recém-chegada no design e o seu sonho é ser uma designer de sucesso, trabalhando a partir do seu iate privado na marina da Costa Nova, na Ria de Aveiro.
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Nuno Miguel Guedes nasceu em Lisboa em 1964. Jornalista, esteve no inicio de O Independente, de onde saiu em 1990 para a revista Kapa, de que foi co-fundador e co-afundador. Escreve para várias publicações e é colaborador pemanente da revista Visão (cultura) Letrista sempre que o deixam, guionista de televisão, bloguista, DJ ocasional, anglófilo, fanático da Académica e de livros. Nos tempos livres pratica o dry martini.
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Nasceu no iníco da década de 60, na vila de Sintra. Filho de família aristocrata, cedo forçou-se a desiludi-la. Aos 14 anos já estava ilegalmente no MRPP, onde foi companheiro de luta académica de Durão Barroso, na Faculdade de Direito. Mal acabou o curso viu nascer Abril e ingressou no jornalismo. Tornou-se barbudo e descobriu o fado, a monarquia e os touros. Por esses quatro motivos entrou com o Nuno Miguel Guedes no PPM e dedicou-se ao jornalismo como paquete de Paulo Portas e Miguel Esteves Cardoso n'O Independente. Escreveu três ensaios sobre literatura russa medieval, traduzidos em mandarím e tchecheno. Deu aulas na Independente e consumiu marijuana com o comandante Zapata, durante uma fotoreportagem. Tudo isto é mentira - mas bem que podia ser verdade, não tivesse ele nascido na década de oitenta e ser um jovem jornalista precário. É o que dá ser novo.
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Advogado de profissão, não se deixou enclausurar em códigos e barras. Arrumado na prateleira da esquerda pela natureza das coisas, desenvolveu na juventude – ainda as mil águas de Abril não tinham chegado – gostos exóticos, onde se incluíam chineses, albaneses e charros alimados. Navegou por vários territórios: da pintura à América Latina, da escrita à actividade política. Gosta de rir, de cozinhar, de Roberto Bolaño, de amigos, cerveja e peixe fresco. Irrita-se com a intolerância e o autoritarismo. É agnóstico. Apesar da idade, ainda não perdeu o medo do escuro, do sobrenatural e das ditaduras.