O Tiago Moreira Ramalho do Corta-Fitas decidiu, ainda ninguém percebeu muito bem porquê, lançar o debate em torno da monarquia. O meu amigo e companheiro de causa João Távora, citou um texto meu publicado neste blog e no Centenário da República, espaço em que também colaboro devido ao seu simpático convite. Neste cenário, e após a resposta do João Távora, o Tiago Moreira Ramalho apressou-se a fazer uma análise do referido texto, em que eu, em três pontos, tentei resumir o porquê de ser monárquico. Cabe-me então fazer algumas considerações.
Em primeiro lugar, o que deveria ser discutido pela blogosfera não é o porquê de existirem monárquicos e republicanos, mas sim o porquê de existir uma crise de regime - o que na opinião de muita gente não significa que o mesmo tenha que ser substituído, o que é legítimo. Quando afirmo que existe uma crise de regime não o faço por ser monárquico, faço-o por constatar que Portugal atravessa um período negro da sua democracia, em que começam a vir ao de cima os primeiros escândalos, sustentados durante dezenas de anos, que envolvem a promiscuidade entre o poder político e o poder económico. Paralelamente, vivemos tempos em que começamos a descobrir, pouco a pouco é certo, que o maior cancro do nosso país está nos aparelhos partidários do regime, que se encontram a mando de vários políticos profissionais e gestores de empresas públicas de carreira. A nossa pobreza é fruto da má gestão pública que temos tido.
É certo, nisso o Tiago Moreira Ramalho não irá certamente discordar de mim, que vivemos numa era de regulação política, onde o Chefe de Estado deve assumir um papel central como árbitro e moderador do sistema, de forma a conseguir combater os seus vícios e pôr cobro a toda esta panóplia de situações e escândalos que têm assolado a nossa democracia, em muitos aspectos ainda muito tenra democracia. Mas acha o Tiago Moreira Ramalho que um árbitro pode sair do próprio sistema?
Ser monárquico no século XXI é compreender que a figura do Chefe de Estado não pode ser folclórica e não pode estar comprometida com o sistema político e partidário. Um presidente, para que consiga ser eleito, faz por norma um imenso trajecto político, onde se vai submetendo constantemente a eleições, passando por campanhas eleitorais que são financiadas pelo poder económico e que precisam de apoio institucional e político por parte de outros políticos do seu e de outros aparelhos partidários. Após o Presidente da República ser eleito o que faz quanto a todos estes lobys? Certamente "não vai morder na mão que lhe deu de comer". Por este motivo, o Chefe de Estado da republica não tem a legitimidade, prática e objectiva, que o Chefe de Estado da Monarquia tem para afrontar, quando necessário é óbvio, o poder económico e também político. Em suma, temos um "moderador" a "arbitrar" um jogo viciado à partida. Será isto saudável para a democracia que os republicanos apregoam?
Mas já que falamos de democracia, vamos um pouco mais longe. É recorrente o argumento republicano de que a republica é mais democrática do que a monarquia, porque o facto do chefe de estado ser submetido a eleições lhe confere uma maior legitimidade democrática. No entanto, não é bem assim.
Ora vejamos, um monarca de tradição europeia ocidental no século XXI, tem por obrigação primeira a defesa do sistema democrático e a fiscalização do poder legislativo, esse sim eleito pelo povo. O rei não é mais do que qualquer português, é apenas o primeiro entre dez milhões, com deveres e responsabilidades redobradas. Quer-me pois parecer que num regime monárquico, o facto do rei ser isento em relação aos lobys vai-lhe conferir uma maior legitimidade democrática do que a republica. Paralelamente, nos sistemas constitucionais monárquicos modernos, existe liberdade de opinião e isso os republicanos não o negam, dessa forma o rei é fiscalizado pela sociedade, em suma, pelo povo. O facto de ser isento e de exercer um "mandato" para a vida, por responsabilidade histórica e cultural, fá-lo democraticamente mais fiscalizado e responsabilizado do que o presidente da republica - um Presidente é fiscalizado pelo voto no final do seu mandato e depois vai fazer outra coisa, o rei é fiscalizado pelo povo, pela democracia e pela constituição, no seu dia a dia, até ao final da sua vida. Existe algo mais democrático?
O que me parece pouco democrático é a constiuição vedar a possiblidade do povo, por sua livre vontade e iniciativa, referendar o regime político português. A questão do regime está acima do sistema partidário, dessa forma não devem ser os partidos políticos a proporem referendos sobre o assunto - mas sim o povo, os eleitores, os portugueses. A nossa geração, a nossa vivência enquanto pátria, o nosso povo enquanto elemento político e cultural, é bastante diferente agora do que era no início do século. Perante esta simples constatação é me dificil compreender como podemos ser obrigados a acatar um regime que não foi por nós escolhido. Aos que se dizem democratas, aprendam que a democracia não se apregoa, aplica-se. Não há nada mais democrático do que dar a palavra aos portugueses - fiscalizem a republica pela força do voto, tal como a monarquia também deveria ser fiscalizada se estivesse instituida. Pelo menos de tempos a tempos.