Quando era criança tive um diário. Era uma criança com um diário mas sem paciência para lá escrever. Cresci e no início da adolescência decidi voltar a ter um diário, mas um diário diferente dos que já tinha tido e até mesmo dos diários dos meus amigos. Ou seja, pedi aos meus amigos que escrevessem uma espécie de "meu diário". Confuso? Tenho por certo que sim.
Peguei nos meus melhores amigos e convenci-os a escrevem uma ou duas páginas sobre mim, num caderno vermelho que ia rodando entre eles. Penso que os primeiros a escreverem foram a Raquel e o Luís. Mas o diário morreu, talvez fruto do meu narcisismo, provavelmente fruto da minha modéstia.
Parei praticamente de escrever e de pedir aos outros que me escrevessem. Mais tarde vieram as namoradas e lá de vez em quando eu ia escrevendo um outro poema, uma ou outra carta - mas para os amigos nada. Não há a tradição em Portugal de fazermos diários das amizades. Vivemos as amizades de uma forma despreocupada, crescemos e perdemos a plena convicção de que as amizades merecem registo.
De um momento para o outro a minha vida deu a volta, lá se foi a carreira de jurista, a minha companheira partiu, os meus amigos criticaram-me e a família nunca mais me voltou a olhar da mesma forma. Desesperadamente fugi para o papel, foi então que comecei a dedicar a minha vida a escrever, não só sobre mim mas também sobre os outros, os que efectivamente existem e os que eu invento para ter o que escrever. Depois comecei a convidar os outros a escreverem também, depois comecei a debater o que os outros escreviam e pouco tempo mais tarde comecei até a apresentar livros de pessoas que de outra forma nunca iria conhecer.
Roubei à vida os sentimentos e comecei a tentar reflectir sobre eles. Tudo por causa da escrita, que é como que a nossa melhor amiga, como que a nossa companheira. Os nossos livros e os nossos filhos, embora só tenha os primeiros, têm muito em comum - são algo do qual nunca podemos deixar de nos orgulhar. As amizades também assim deviam ser.