No outro dia acordei, tinha preguiça, o que é normal. Acordei e fiquei na cama a ver desenhos animados, desenhos animados daqueles pedagógicos que as crianças deviam ver - e nós adultos também. Recapitulando, no outro dia acordei e fiquei na cama a ver desenhos animados. Não me lembro do nome da série.
A história andava à volta de um rapaz que ajudava o pai a fazer o pequeno almoço para a mãe no dia do seu aniversário. Foi então que me comecei a lembrar quando também eu me levantava ao sábado de manhã para fazer o pequeno almoço para os meus pais, quando eles o que desejavam verdadeiramente era dormir mais tempo.
O problema é quando crescemos e percebemos que os adultos preferem dormir mais tempo e que tomar chá com bolachas ao pequeno almoço não é bem o sonho deles. Crescemos e também nós nos tornamos mais brutamontes, também nós deixamos de dar valor às surpresas, também nós deixamos de dar valor ao sentimentalismo.
Este mundo não é para brincadeiras, dizemos aos mais novos. Dizemos não por dizer, mas porque verdadeiramente o sentimos - o que é grave. O mundo já não é para brincadeiras, as brincadeiras são para as crianças, é como as surpresas, é como o carinho. Os adultos não têm tempo para brincadeiras porque se tornaram gente crescida, dizem eles.
Crescidos até acredito que sejam, mas podemos chamá-los de gente? Ser adulto é ser frio, ser adulto é ser distante, ser adulto é chegarmos à conclusão que esta vida não é para brincadeiras. Que nem com a família devemos entrar em brincadeiras.
Crescemos e passado trinta, quarenta, sessenta anos podemos perder os nossos pais. Só aí conseguimos chorar, só assim pensamos que o mundo deveria ser mesmo para brincadeiras. Só damos valor às coisas depois de as perdermos, isto porque o mundo não é para brincadeira.
Até que um dia o José Luis Peixoto inventou uma palavra e gritou ao mundo o que sentia pelo seu pai: morreste-me dizia o Peixoto. E foi assim que em trinta e poucas páginas, no ano de 2000, os portugueses começaram a sofrer por antecipação, começaram a perceber que talvez o mundo devesse ser mesmo uma brincadeira. Foi assim que encarnamos o morreste-me e começamos a ter ainda mais medo do futuro. Deus queira que tenhamos aprendido também a viver o presente.