"Tu és daquelas pessoas que não conseguem estar sozinhas" - farto-me de ouvir esta frase, em conversas roubadas à própria loucura da solidão, farto-me de ouvir esta frase da boca de outras pessoas, que me fazem companhia, que me roubam da solidão. É caricato pensar como convivo tão mal com a solidão, é giro pensar que se pode conviver com uma coisa que implica estar sozinho - o facto de se conseguir conviver com a solidão significa que já não se está em solidão, porque se está a conviver. Há pessoas que conseguem fazer da própria solidão uma companhia - eu não. Talvez seja normal.
Gostava de um dia conseguir estar completamente sozinho. Gostava de um dia acordar sem chamadas para responder de volta, sem mensagens, sem programas - nada mais do que a minha garrafa de whisky irlandês eternamente escondida no armário de um bar na Av. de Roma. Mas alguém houve que inventou a companhia - digo companhia porque não encontro nenhum antónimo credível para a solidão. Na cabeça mesquinha dos portugueses esse antónimo talvez seja a felicidade, pasmem-se companheiros, a felicidade. A solidão é o abandono, são os socos no estômago que nos levam ao orgasmo da dor - a solidão é incompatível com a felicidade. Pelo menos para os portugueses, pelo menos para a língua portuguesa. Somos complicados.
Um português vai todos os dias sozinhos para um bar porque simplesmente não consegue estar sozinho em casa - que dizem os outros desta atitude? É um bêbado solitário. Alguém triste, alguém carente, alguém que não é feliz. Novamente a tónica da infelicidade associada pecaminosamente à solidão. Este país é mesmo terrível - e não vos falo das aldeias, não vos falo da terra onde nasci, nem muito menos da terra dos meus pais. Estou a falar de Lisboa porra, esta aldeia plantada à beira rio - um ninho de cobras viciante e venenoso, onde ou se é bêbado, solitário, escritor, ou então, em oposição, se é feliz. Ninguém me tira da cabeça que foram os lisboetas que inventaram a solidão.